Quem diria que as bactérias presentes no seu intestino poderiam influenciar diretamente na sua felicidade e bem-estar? Pois elas podem!
Desde a descoberta do microbioma em nosso próprio corpo, surgiram também novas perguntas a serem respondidas. De que maneira nosso estilo de vida influencia a composição de espécies da nossa microbiota?
Já sabemos que a forma como nos alimentamos interfere consideravelmente nos microrganismos encontrados em nosso intestino, mas será que outros comportamentos ou atividades que realizamos em nosso dia-a-dia também possuem este poder?
Nosso trato gastrointestinal é habitado por inúmeras espécies de bactérias que compõem a microbiota intestinal – conhecida popularmente como flora intestinal - e exercem um papel importantíssimo na nossa saúde.
A relação entre o indivíduo e sua microbiota é chamada de mutualismo, o que significa que esta relação é vantajosa para ambos. Enquanto provemos a elas um ambiente propício para a sua sobrevivência, elas nos fornecem proteção contra patógenos, síntese de vitaminas, absorção de nutrientes e digestão.
Essas bactérias da microbiota intestinal ficam restritas ao intestino graças a uma parede impermeável de células que impede que elas escapem e caiam na corrente sanguínea. Há situações em que a membrana que protege o intestino fica danificada (ou permeável), permitindo que substâncias tóxicas e bactérias intestinais caiam na corrente sanguínea.
Muitos estudos vêm demonstrando como as alterações do microbioma se relacionam e interagem diretamente com as respostas do nosso sistema nervoso, sistema endócrino, sistema imune, ou mesmo, se correlacionam com uma grande quantidade de distúrbios, condições ou patologias.
É importante entender que a microbiota intestinal é composta por microrganismos que convivem conosco de forma harmoniosa e que até podem nos fazer bem quando mantidos em equilíbrio (chamados de simbiontes ou comensais). A função adequada da microbiota intestinal depende de uma composição estável.
Logo, mudanças na razão entre os diferentes grupos de bactérias presentes na microbiota ou a expansão de novos grupos bacterianos podem levar a um desequilíbrio da mesma.
Desequilíbrios na microbiota intestinal estão associadas a uma série de doenças, incluindo:
autoimunes,
metabólicas,
neoplásicas,
neurológicas,
gastrintestinais/digestivas,
cardiovasculares,
neurológicas e
infecciosas.
Alguns estudos encontraram também relações entre esse desequilíbrio e alterações no humor.
Vamos explorar sobre as principais condições e doenças reconhecidamente afetadas pelo desequilíbrio da microbiota intestinal. Abordaremos a relação do microbioma do intestino com depressão e ansiedade, transtorno do espectro autista, doença de Parkinson, obesidade, diabetes do tipo 1, osteoartrite, fibromialgia, doenças cardiovasculares e câncer em dois posts.
Depressão e Ansiedade
A microbiota intestinal pode influenciar na nossa função cerebral. Isso porque ela é responsável pela produção de grande parte das substâncias neuroquímicas, como serotonina e dopamina, que o cérebro utiliza para regular alguns processos, como aprendizagem, memória e humor.
Os cientistas têm mostrado que a relação entre o hospedeiro - o homem – e sua microbiota é uma via de mão dupla, além de ser bastante complexa. Não é apenas a microbiota que pode afetar o hospedeiro, mas o inverso também.
Um estudo publicado na revista Nature mostrou que altos níveis de estresse podem alterar a composição de bactérias intestinais, que por sua vez podem influenciar o desencadeamento de transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão. Neste caso, ao analisarem amostras de sangue de pessoas com depressão, observaram que 35% delas apresentavam resquícios de bactérias pertencentes à microbiota do intestino, provavelmente ocasionado pela alta permeabilidade.
Ainda não está clara a relação entre a “fuga” dessas bactérias do sistema digestivo e o surgimento de sintomas depressivos. Uma hipótese é que o organismo detecta essas bactérias fora do local onde deveriam estar e desencadeia respostas autoimunes e inflamações, fatores que afetam o humor e a disposição física e podem desencadear episódios de depressão.
Transtorno do Espectro Autista (TEA)
O Transtorno do Espectro Autista é caracterizado por um conjunto de condições neuropsiquiátricas cujo principal resultado é uma redução em habilidades de comunicação e interação social. O grau de autismo pode variar de pessoa para pessoa. Crianças autistas podem apresentar dificuldade na fala ou aprendizagem. Outros sintomas incluem ansiedade e irritabilidade e, em casos mais graves, depressão, automutilação e total falta de empatia.
Ainda não existe cura para o TEA, porém, o avanço das pesquisas tem levado ao desenvolvimento de novas e promissoras terapias, que auxiliam não apenas na melhora dos sintomas do portador da síndrome, como também autoconhecimento para um melhor entendimento de sua condição.
Novos trabalhos estão revelando que, além de ajudar na digestão, as bactérias intestinais também fabricam compostos bioativos que ajudam a orquestrar a função cerebral e o desenvolvimento social. Estudos mostram que crianças com TEA costumam ter uma “assinatura” de microrganismos intestinais diferente das crianças que não possuem o TEA.
Estudos mostram que crianças com TEA têm níveis mais baixos das bactérias intestinais Veillonellaceae, Coprococcus e Prevotella do que aquelas sem o transtorno. Os pesquisadores também observaram que algumas pessoas com TEA podem ter uma barreira hematoencefálica porosa, que faz com que alguns subprodutos bacterianos tóxicos entrem na corrente sanguínea e cheguem ao cérebro.
Especialistas na área esperam poder utilizar essas informações geradas pela microbiota intestinal para abrir portas para novas e promissoras terapias comportamentais.
Doença de Parkinson
A doença de Parkinson (DP) é uma doença degenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva. É causada por uma diminuição intensa da produção de dopamina, um neurotransmissor que ajuda na realização dos movimentos voluntários do corpo de forma automática, ou seja, não precisamos pensar em cada movimento que nossos músculos realizam, graças à presença dessa substância em nossos cérebros.
O sistema nervoso entérico (SNE) pode estar a associado ao desenvolvimento da DP pela presença de inflamação intestinal e aumento da permeabilidade intestinal, que foram identificadas em pacientes com diagnóstico positivo para a doença.
Estudos revelaram que grande parte dos pacientes com DP apresentam disbiose significativa. Por exemplo, vários estudos relataram um aumento na abundância relativa das bactérias dos gêneros Lactobacillus, Parabacteroides, Bifidobacterium e da família de Verrucomicrobiaceae, incluindo Akkermansia na microbiota intestinal de pacientes com DP.
Outros pacientes apresentaram diminuição na proporção dos gêneros Faecalibacterium, Coprococcus, Blautia, Prevotella e outros gêneros da família Prevotellaceae. Além do que, outros pesquisadores mostraram que a abundância das famílias Christensenellaceae ou Oscillospira pode estar relacionada com uma suscetibilidade aumentada para o desenvolvimento de DP (ou com um estágio específico da doença) sugerindo que tais modificações nas populações de bactérias poderiam ser usadas para o diagnóstico precoce.
Esses exemplos corroboram inúmeras evidências de que alterações intestinais desempenham um papel chave no início e desenvolvimento da DP. Sendo assim, pacientes com DP podem se beneficiar com estratégias que melhoram a função intestinal.
Obesidade
A combinação entre alimentos processados e a falta de atividade física diária elevou o número de pessoas obesas no mundo. A disponibilidade de alimentos ricos em calorias favorece o ganho de peso, que tornou-se cada vez mais comum. A obesidade pode representar um risco aumentado de doenças crônicas, como doenças cardiovasculares, diabetes e até câncer.
Sabe-se que indivíduos com obesidade também criaram uma "assinatura" dentro de seu microbioma intestinal, que molda o funcionamento de seu metabolismo. Esse efeito pode aumentar a dificuldade de perder peso e facilitar a recaída após a perda de peso, mesmo com uma dieta normal. Essa assinatura é definida por alterações nas populações bacterianas que podem contribuir para mudanças em nosso metabolismo através de fatores genéticos e ambientais.
A dieta desempenha um papel crucial na formação do nosso ecossistema intestinal. Uma dieta baseada em alimentos altamente processados tem sido associada a menor diversidade de microrganismos intestinais. E uma dieta não saudável pode, também, impedir que os grupos bacterianos benéficos se desenvolvam no nosso intestino.
No próximo post continuaremos a explicar qual a relação de algumas doenças com a microbiota intestinal. Continue acompanhando!
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