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O microbioma vaginal como análise de rotina em investigações de fertilidade

Estudos recentes demonstram que a mulher infértil apresenta uma microbiota vaginal diferente, tanto no trato genital inferior quanto no trato genital superior.



A infertilidade é definida como a dificuldade de um casal obter gravidez após um ano de relação sexual regular e sem a utilização de quaisquer métodos contraceptivos. Estima-se que essa condição afeta 1 em cada 7 casais.


Das causas prováveis para a condição de infertilidade, os fatores relacionados à mulher são responsáveis por 35-40% dos casos. Os fatores incluem:

  • alterações hormonais,

  • oclusão tubária,

  • doenças uterinas,

  • idade materna e

  • doenças sistêmicas ou genéticas.

Outro dado relevante é que em aproximadamente 35% dos casais, as causas da infertilidade permanecem inexplicáveis ou idiopáticas, apesar de uma avaliação minuciosa.


Trabalhos recentes mostraram que a mulher infértil apresenta uma microbiota vaginal diferente, tanto no trato genital inferior quanto no trato genital superior, quando comparada com a microbiota da mulher fértil.



O que já sabemos sobre o assunto?

Sabemos que o microbioma vaginal desempenha um papel importante na proteção da saúde feminina contra vários patógenos, sejam eles fúngicos, bacterianos ou virais. A microbiota forma a primeira barreira contra o ambiente externo no trato reprodutivo inferior.

No microbioma vaginal, os Lactobacillus dominam a comunidade microbiana e estão comumente associados com a saúde do trato geniturinário. Os Lactobacillus produzem ácido lático e protegem a vagina ao manter o pH baixo, fator que dificulta o crescimento da maioria das bactérias.


De acordo com estudos e especialistas, a microbiota vaginal, quando composta exclusivamente por Lactobacillus, configura o melhor cenário para o sucesso na transferência do embrião.



Desafios do microbioma endometrial

Evidências crescentes comprovam a presença de microrganismos na cavidade uterina, a qual anteriormente era considerada estéril. No entanto, estudos indicam que esta apresenta uma microbiota específica, com densidade entre 100 a 1000 vezes menor, e dominada por uma grande variedade de espécies bacterianas e diferentes cepas de Lactobacillus.


A microbiota uterina tem sido proposta como capaz de modular as funções das células endometriais, bem como o sistema imunológico local e prevenir infecções uterinas.


No período pré-implantação, bactérias e fragmentos bacterianos podem desencadear uma resposta imune-inflamatória mediada por citocinas pró-inflamatórias, fato que ocorre também na aquisição da recepção do endométrio. O ácido lático, produzido pelos Lactobacillus, favorece a receptividade endometrial e a invasão dos blastocistos, corroborando a hipótese de que a abundância de Lactobacillus é importante para atingir a gravidez.


Ainda não existe um consenso a respeito da configuração do microbioma endometrial saudável,uma vez que alguns trabalhos não encontraram predominância de Lactobacillus neste local. A análise do microbioma endometrial é um desafio tanto por causa da baixa carga bacteriana presente, quanto pelo método de coleta do material, que pode sofrer contaminação da microbiota vaginal e cervical. Diversos estudos tentaram analisar este material, entretanto ainda com resultados incongruentes. Apesar disso, sugere-se que os Lactobacillus, quando em maior abundância, indicam um ambiente uterino saudável.


Algumas hipóteses são sugeridas em relação à colonização do trato genital superior.

  1. Provavelmente, a microbiota dessa região é derivada da vagina por via ascendente. A comunicação entre a vagina e o útero pode ser facilitada ou inibida pelas contrações peristálticas, pela consistência do fluido cervical, pelo epitélio cervical, e pela resposta imunológica. Uma publicação demonstrou que mulheres com vaginose bacteriana apresentavam um aumento da carga bacteriana no trato genital superior.

  2. Outra hipótese defende que esta colonização pode se originar por via hematogênica do trato gastrointestinal, vias aéreas e cavidade oral. Também considera-se a transferência de microrganismos após procedimentos ginecológicos.



O estudo do microbioma vaginal e endometrial em pacientes com infertilidade é de extrema importância devido às interferências destes microrganismos no sucesso da implantação do embrião durante a terapia de reprodução assistida. A associação entre alterações no microbioma vaginal e a falência da implantação do embrião está mais interligada do que a conexão entre o microbioma vaginal e o aborto recorrente.



O que os estudos mostram?

Um estudo prospectivo multicêntrico observacional sequenciou amostras do fluido endometrial e de biópsias de 342 pacientes em tratamento com reprodução assistida, no momento da recepção do embrião. Encontraram proporção aumentada de Lactobacillus e bactérias comensais em pacientes que tiveram sucesso na gravidez.


Nas pacientes com resultados adversos - aborto ou não concepção - foram encontrados Bifidobacterium, Chryseobacterium, Haemophilus, Klebsiella, Neisseria, Staphylococcus, Streptococcus, Gardnerella, e Atopobium, sendo essas últimas duas associadas à vaginose bacteriana. Este estudo sugere o valor potencial das espécies bacterianas como biomarcadores para predizer o sucesso da reprodução assistida antes da transferência do embrião.

Moreno e colaboradores compararam a microbiota endometrial e vaginal entre mulheres férteis e saudáveis. Eles encontraram um perfil semelhante em 80% dos casos. Os Lactobacillus foram os mais abundantes (71,1%), seguido de Gardnerella, Bifidobacterium, Streptococcus e Prevotella (12,6%, 3,7%, 3,2%, e 0,9%, respectivamente). Esta publicação rendeu uma classificação por espécies:

  • Lactobacillus dominante (>90% de Lactobacillus) e

  • Lactobacillus não-dominante ( <90% de Lactobacillus e > 10% de outras bactérias).


Com o objetivo de correlacionar a microbiota vaginal com o sucesso ou não da fertilização in vitro ou fertilização in vitro com injeção de esperma intracitoplasmática, um grupo de pesquisadores analisou a microbiota vaginal de 192 mulheres.

Mulheres que apresentavam baixa abundância de Lactobacillus na amostra vaginal tinham menor sucesso na implantação do embrião. O grau de dominância de L. crispatus foi um importante fator preditivo para gravidez; mulheres que tinham perfil favorável e porcentagem de L. crispatus < 60% tiveram maior chance de engravidar.


Além da abundância dos Lactobacillus, a diversidade de espécies reduzida contribui para uma melhor transferência do embrião. Uma meta-análise concluiu que mulheres com disbiose vaginal tinham 1,4 menos chance de engravidar após fertilização in vitro em comparação com mulheres eubióticas.


Outro estudo publicado em 2020 analisou o microbioma vaginal e seminal de 23 casais com infertilidade idiopática em tratamento para inseminação intrauterina. Eles identificaram que o microbioma vaginal das mulheres com infertilidade idiopática era diferente do controle, bem como as espécies de Lactobacillus presentes, sendo o L. crispatus associado a maiores taxas de sucesso na inseminação intrauterina. Os autores sugerem incluir a análise do microbioma vaginal na rotina de investigação de infertilidade idiopática, antes da recomendação da inseminação intrauterina.


Em resumo, o microbioma vaginal emergiu com um importante fator na reprodução assistida nos últimos anos. Os dados atuais sugerem que a disbiose microbiana está associada à infertilidade e também pode desempenhar um papel definitivo nos resultados da fertilização in vitro.


A falha de implantação e/ou abortos recorrentes podem ser um sinal dessa disbiose vaginal, com isso, a análise do microbioma vaginal se torna o ponto de partida para investigação diagnóstica e orientação terapêutica de mulheres com suspeita de infertilidade.


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Fontes:


Günther, Veronika et al. “Vaginal Microbiome in Reproductive Medicine.” Diagnostics (Basel, Switzerland) vol. 12,8 1948. 12 Aug. 2022, doi:10.3390/diagnostics12081948


Koedooder, R et al. “The vaginal microbiome as a predictor for outcome of in vitro fertilization with or without intracytoplasmic sperm injection: a prospective study.” Human reproduction (Oxford, England) vol. 34,6 (2019): 1042-1054. doi:10.1093/humrep/dez065


Punzón-Jiménez, Paula, and Elena Labarta. “The impact of the female genital tract microbiome in women health and reproduction: a review.” Journal of assisted reproduction and genetics vol. 38,10 (2021): 2519-2541. doi:10.1007/s10815-021-02247-5


Ventolini, Gary et al. “The Vaginal Microbiome: IV. The Role of Vaginal Microbiome in Reproduction and in Gynecologic Cancers.” Journal of lower genital tract disease vol. 26,1 (2022): 93-98. doi:10.1097/LGT.0000000000000646


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