A composição da microbiota intestinal é única em cada indivíduo. É composta de bactérias distintas, em sua maioria não patogênicas, muitas herdadas da mãe (adquiridas no nascimento), outras definidas por características ambientais, como idade e hábitos alimentares.
Veja também: Perturbações no microbioma intestinal na infância e a relação com as alergias alimentares.
O desenvolvimento da microbiota intestinal humana é um processo complexo que já começa durante a gestação. Alguns estudos detectaram bactérias no mecônio (as primeiras fezes do bebê), no cordão umbilical e no líquido amniótico.
Ao nascer, a colonização da microbiota ocorre de acordo com o tipo de parto (normal ou cesárea); amamentação (aleitamento materno exclusivo ou artificial) e pelas medidas de higiene.
Sabe-se que a microbiota intestinal infantil passa por um período de grandes mudanças nos primeiros anos de vida. A microbiota inicial adapta-se com o tempo e é moldada pela disponibilidade de diferentes nutrientes. Existem três fases distintas na colonização microbiana do intestino em bebês:
Fase de desenvolvimento: 3 a 14 meses
Fase de transição: 15 a 30 meses
Fase estável: 31 meses em diante, em que se desenvolve uma microbiota estável semelhante à dos adultos.
Influência da alimentação da gestante no crescimento e na microbiota intestinal do bebê
Recentemente, cientistas constataram que a alimentação da gestante molda a composição da microbiota intestinal dos seus bebês. Nesse estudo, os pesquisadores acompanharam 86 gestantes, coletando dados durante a gravidez, e monitorando os bebês por 18 meses. Analisando as amostras fecais das mães e dos bebês no momento do parto, foi possível obter diferentes perfis da microbiota intestinal.
No primeiro grupo analisado, todas as mulheres possuíam uma dieta baseada em uma grande quantidade de fibra alimentar, ômega-3 e polifenóis, e foi observado uma maior presença de Ruminococcus (um tipo de bactéria que produz butirato).
O butirato é um biomarcador da saúde intestinal e está associado a propriedades anti-inflamatórias.
O segundo grupo incluía mães com uma ingestão significativamente maior de carboidratos, ácidos graxos saturados e proteína animal. Nesse último grupo foi possível observar uma presença maior de bactérias ligadas a um maior risco de doenças e complicações na gravidez. Além disso, os pesquisadores observaram que os bebês desse grupo tinham um risco maior de ficar acima do peso nos primeiros 18 meses.
Influência do tipo do parto no desenvolvimento da microbiota intestinal
Um dos fatores do início da vida que influencia fortemente o desenvolvimento da microbiota intestinal do recém-nascido é o tipo de parto. O parto vaginal foi associado a um aumento temporário de bactérias do gênero Bacteroides, que por sua vez foi associado ao aumento da diversidade intestinal e à maturação durante os primeiros anos de vida.
Como alternativa para suprir essa carência identificada no parto de cesariana, pesquisadores de um estudo pioneiro mostraram que o transplante de microbiota fecal por via oral pode tornar a microbiota neonatal semelhante à de um bebê nascido de parto normal.
Estudos anteriores mostraram que bebês nascidos de cesariana tendem a ter em seus intestinos microrganismos causadores de doenças comumente encontrados em hospitais (por exemplo: Enterococcus e Klebsiella), e não apresentavam cepas de bactérias intestinais encontradas em crianças e adultos saudáveis (por exemplo, Bacteroides spp.).
Após a intervenção, a microbiota intestinal de bebês nascidos de cesariana assemelhava-se à de bebês nascidos de parto normal, diferente da microbiota intestinal de bebês de cesariana não tratados. IMPORTANTE: Nenhum dos bebês apresentou efeitos adversos ou alterações de peso durante o período de acompanhamento de 3 meses.
Antibioticoterapia em prematuros
Em muitos casos os bebês prematuros necessitam da utilização de antibióticos para prevenção e tratamento de infecções. Contudo, alguns estudos servem de alerta para a necessidade de racionalização do uso desses antibióticos em bebês.
Sabe-se que a microbiota intestinal infantil passa por um período de grandes mudanças nos primeiros anos de vida. A microbiota inicial adapta-se com o tempo e é moldada pela disponibilidade de diferentes nutrientes.
Aos 2-3 anos de idade, desenvolve-se uma microbiota estável semelhante à dos adultos, que irá se manter relativamente estável na vida adulta. Isso gera preocupação sobre os efeitos da antibioticoterapia no início da vida.
Outro estudo publicado recentemente mostrou que os bebês desenvolveram diversidade relevante nos seus microbiomas ao atingirem 21 meses, porém, o desenvolvimento dessa diversidade foi mais lento nos prematuros tratados com antibióticos. Os bebês prematuros que utilizaram antibióticos no início da vida, possuíam no seu microbioma mais cepas resistentes aos antibióticos do que os nascidos após as 38 semanas que não receberam nenhum tipo de antibioticoterapia.
Apesar do microbioma diverso, foi identificado que os bebês tratados com ciclos mais agressivos de antibióticos apresentaram maior quantidade de bactérias consideradas não benéficas, como as do filo Proteobacteria e redução de bactérias benéficas, como as Bifidobacteriaceae. Outras pesquisas ainda relacionam alterações no microbioma no início da vida com o desenvolvimento posterior de distúrbios metabólicos e imunes, como as alergias, diabetes e doença inflamatória intestinal.
O leite materno promove a disseminação da microbiota intestinal infantil
O aleitamento materno é totalmente saudável e bom para os bebês, por isso a Organização Mundial da Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida e a continuidade da amamentação pelo menos até os 2 anos de idade. A amamentação diminui a incidência de doenças infecciosas, além de alergias, obesidade e diabetes.
O leite materno é o padrão ouro para a nutrição infantil, pois contém compostos bioativos que ajudam a apoiar o desenvolvimento da microbiota intestinal e do sistema imunológico do bebê. No entanto, por várias razões, nem todos os bebês podem ser amamentados exclusivamente.
Além de todos os benefícios que a amamentação traz para a saúde do bebê, pesquisadores descobriram que a presença de bactérias resistentes aos antibióticos pode vir de suas mães, não apenas durante o parto, mas também através da amamentação. Isso se deve aos açúcares fermentáveis presentes no leite - chamados de prebióticos - que promovem o crescimento de bactérias intestinais com características probióticas, como as bifidobactérias. Quando a amamentação não é possível, esses prebióticos podem ser adicionados às fórmulas infantis para imitar a composição do leite materno e promover o crescimento de microrganismos intestinais benéficos.
As chamadas bactérias benéficas também evitam a proliferação de outras bactérias consideradas prejudiciais. O efeito positivo da amamentação foi identificável também em bebês que receberam fórmula além do leite materno. De acordo com esses resultados, quando não há possibilidade da alimentação ser exclusiva com aleitamento materno, a amamentação parcial complementada com fórmula pode ser uma boa alternativa. Este tipo de terapia pode ajudar a manter sob controle o número de genes resistentes aos antimicrobianos no intestino dos bebês e tentar, também, diminuir o problema global de resistência aos antibióticos.
Importância da nutrição na primeira infância
Sabemos que os primeiros anos de vida são importantes para o estabelecimento da microbiota. Você nasce com muito poucos microrganismos que vão “colonizando” seu corpo durante os primeiros anos de sua vida.
Durante o estágio de desenvolvimento, os bebês que são amamentados ou, pelo menos, parcialmente amamentados, possuem níveis mais elevados de Bifidobacterium. Essas bactérias, conhecidas por serem muito abundantes no início da vida, têm propriedades probióticas. Com a introdução alimentar, aumenta-se a variedade dos alimentos consumidos, e consequentemente, a microbiota infantil começa a ser colonizada por diferentes microrganismos, tornando-se mais diversificada. Ao mesmo tempo, há uma quantidade maior de bactérias nos filos Firmicutes , normalmente encontradas na microbiota adulta.
A nutrição na primeira infância fornece uma visão sobre como será o desenvolvimento e composição da microbiota no indivíduo adulto. É crucial que as crianças comam alimentos que possam nutrir a microbiota intestinal. A adição de alimentos considerados prebióticos promovem e ativam o metabolismo de bactérias benéficas no trato intestinal.
Fibras, carboidratos, vegetais e cereais integrais com uma variedade de fibras, como a inulina e os oligossacarídeos, ajudam a estabelecer uma microbiota intestinal saudável.
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