A maior parte do trato gastrointestinal humano é colonizada por bactérias. Estima-se que esses microrganismos permanentes e transitórios podem se distribuir em mais de 1000 espécies.
É importante entender que a microbiota intestinal é composta por microrganismos que convivem conosco de forma harmoniosa e que até podem nos fazer bem quando mantidos em equilíbrio (os simbiontes e comensais, por exemplo).
A composição da microbiota intestinal é única em cada indivíduo, composta de bactérias distintas, em sua maioria não patogênicas, que são herdadas do hospedeiro, adquiridas no nascimento e ainda definida pelas características ambientais, como a idade e os hábitos alimentares.
O desenvolvimento da microbiota intestinal humana é um processo complexo que já começa durante a gestação. Alguns estudos detectaram bactérias no mecônio (as primeiras fezes do bebê), no cordão umbilical e no líquido amniótico.
Ao nascer a colonização da microbiota ocorre de acordo com o tipo de parto (normal ou cesárea); amamentação (aleitamento materno exclusivo ou artificial) e pelas medidas de higiene.
A comunidade bacteriana desempenha funções importantes no nosso organismo, dentre elas, destaca-se:
antibacteriana/protetiva
imunomoduladora
nutricional
metabólica
Além disso, há a formação de uma barreira de proteção natural ao longo do trato gastrointestinal, por bactérias alocadas no intestino por sítios de ligação determinados pela genética.
Bactérias da microbiota intestinal
Os microrganismos são classificados em categorias hierárquicas, chamados de níveis taxonômicos. Os níveis taxonômicos mais importantes e estudados, sob o ponto de vista clínico dos estudos de microbioma intestinal, são Espécie, Gênero, Família e Filo.
De forma geral, quatro principais filos colonizam o trato gastrointestinal humano: Bacteroidetes, Firmicutes, Proteobacteria e Actinobacteria representando 98% da microbiota intestinal. Sabe-se que mais de 90% da composição bacteriana intestinal considerada saudável é representadas por Bacteroidetes e Firmicutes.
Estima-se que 30-40 espécies de bactérias dominam o ecossistema intestinal, as quais pertencem aos gêneros Bacteroides, Bifidobacterium, Eubacterium, Fusobacterium, Clostridium e Lactobacillus.
As principais bactérias que compõe a microbiota entérica também podem ser agrupadas pela atuação no nosso organismo: benéficas/probióticas e patogênicas.
Como exemplo de bactérias benéficas/probióticas temos as Bifidobactérias e os Lactobacilos (gêneros Bacteroides, Bifidobacterium e Lactobacillus), e para as patogênicas podem ser citadas a família Enterobacteriaceae e o gênero Clostridium.
Outros gêneros são habitualmente encontrados na microbiota intestinal como Eubacterium, Fusobacterium, Peptostreptococcus e Ruminococcus.
A função adequada da microbiota intestinal depende de uma composição de grupos de bactérias em equilíbrio, logo, mudanças na razão entre esses filos ou a inclusão de novos grupos bacterianos levam a um desequilíbrio da microbiota intestinal.
Com o passar dos anos, a composição da microbiota intestinal varia. Nos primeiros três anos de idade, os microrganismos que habitam o intestino dependem essencialmente da interação da criança com o ambiente. A partir dessa idade, a microbiota intestinal apresenta semelhança importante com aquela observada nos indivíduos adultos.
Geralmente, na fase adulta, a microbiota fica relativamente estável sendo mais difícil a colonização por um microrganismo que não fazia parte da microbiota original do indivíduo.
Vamos conhecer um pouco sobre os 4 filos com maior ocorrência na microbiota intestinal humana:
1) FILO BACTEROIDETES
Os bacteroidetes são um dos filos predominantes no intestino humano e consistem principalmente de bactérias gram negativas. Esse grupo de bactérias possui características fermentativas e com capacidade de modular o sistema imune de forma benéfica.
No filo Bacteroidetes, dois gêneros bacterianos são prevalentes: Bacteroides e Prevotella, associados à manutenção da saúde intestinal e prevenção de doenças. Apesar das espécies do gênero Bacteroides serem mais frequentemente encontradas e mais abundantes, quando há presença de Prevotella este gênero se torna prevalente.
A maior abundância de Prevotella é tradicionalmente associada ao maior consumo de carboidratos, fibras e açúcares simples, enquanto que a abundância de Bacteroides usualmente é associado a dietas ricas em proteínas e gorduras saturadas.
As espécies do gênero Bacteroides, quando em desequilíbrio na microbiota intestinal, podem ser responsáveis por infecções significativas e podem estar associadas a doenças inflamatórias intestinais, como a Doença de Crohn.
Outro fato importante é a relação direta entre a colonização e o tipo de parto, pois é no momento da passagem pelo canal vaginal onde se adquire o maior número de bactérias benéficas, como Bifidobactérias e Bacteroidetes.
2) FILO FIRMICUTES
O filo firmicutes contém mais de 200 gêneros de bactérias, que incluem várias espécies de Lactobacillus, e de Clostridium.
A grande maioria das Firmicutes são gram-positivas, ao contrário das Bacteroidetes que são gram-negativas. Possui tanto gêneros com atividade imunomodulatória benéfica, tais como Clostridium e Lactobacillus, como também espécies relacionadas a indução da inflamação, que estão diretamente associados a algumas doenças crônicas.
O principal modulador da microbiota intestinal é a alimentação, portanto, alimentos com elevados teores de gorduras saturadas e poli-insaturadas proporcionam um ambiente propício para ocorrência deste filo.
O consumo de calorias em excesso leva à proliferação de Firmicutes, permitindo a extração e estocagem de nutrientes com maior eficiência, auxiliando no ganho de peso.
Por outro lado, a ingestão de fibras, frutas e hortaliças, proporciona o aumento da produção de derivados da fermentação de carboidratos resultando um ambiente desfavorável para elas.
Algumas bactérias do gênero Clostridium são consideradas benéficas com propriedades probióticas, entretanto, outras foram associadas a condições patológicas como botulismo em bebês ou enterocolite necrosante em recém-nascidos prematuros.
A presença da bactéria Clostridium symbiosum na microbiota intestinal pode ser considerada um biomarcador para para a detecção precoce e não invasiva do câncer colorretal.
3) FILO PROTEOBACTERIA
A microbiota intestinal de indivíduos saudáveis apresenta uma proporção aproximada de até 5% do filo Proteobacteria.
Sob um estado clínico saudável ou assintomático, o aumento da proporção do filo Proteobacteria no intestino humano pode ser uma resposta transitória a alterações de fatores externos, como a dieta e outras intervenções. Entretanto, um aumento crônico do filo Proteobacteria é indicativo de uma comunidade microbiana instável.
Dentro deste filo encontram-se indivíduos da família Enterobacteriaceae como a Escherichia coli, considerada uma bactéria comensal e a sua presença em indivíduos assintomáticos pode ser habitual, entretanto em altas proporções pode estar associada a alterações funcionais e Doença Inflamatória Intestinal (DII).
4) FILO ACTINOBACTERIA
A microbiota intestinal de indivíduos adultos saudáveis apresenta uma proporção habitual de 2 a 14% de bactérias do gênero Bifidobacterium.
As bactérias do gênero Bifidobacterium possuem funções benéficas para a saúde devido aos seus vários efeitos, tais como a produção de vitaminas, a estimulação do sistema imunológico, a inibição de bactérias potencialmente patogênicas, a melhoria na digestão alimentar, manutenção da barreira intestinal, e defesa contra patógenos.
A microbiota intestinal tem mostrado grande influência na saúde e doença do hospedeiro. Dessa forma, tem grande importância a sua estabilização e manutenção desde a infância até a vida adulta, com o intuito de sofrer menos interferência dos fatores internos e externos que desencadeiam alterações da microbiota.
Sabe-se que as alterações na microbiota podem levar a determinadas patologias, por isso, acompanhar e entender sua composição é um excelente indicador de manutenção da saúde.
Os exames que possibilitam a identificação das bactérias presentes na microbiota intestinal através do sequenciamento de DNA, como o PRObiome, podem ser correlacionados com as informações clínicas, auxiliando na conduta personalizada dos pacientes. Além disso, podem auxiliar no acompanhamento frente às terapias e estratégias de modulação da microbiota intestinal.
Procure o seu médico ou nutricionista e converse sobre como este exame pode ajudar a cuidar da sua saúde de forma mais precisa.
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