A bactéria Clostridium é frequentemente considerada como prejudicial. Saiba mais sobre o seu papel e se ela é realmente um vilão no seu intestino.
Por Louise Crovesy de Oliveira
Nutricionista, Doutora em Ciência da Nutrição pela UFRJ e Especialista de Produto na BiomeHub.
Neste postblog será abordado:
O que é o Clostridium?
Clostridium é um gênero composto por bactérias gram positivas anaeróbias, que pertencem ao filo Firmicutes (atualmente conhecido como Bacillota).
Essas bactérias apresentam formato de bastão e possuem a capacidade de formar esporos resistentes, permitindo que sobrevivam em condições adversas. Devido a esta característica, este gênero é amplamente encontrado no ambiente, como o solo, a água, além de estar presente no trato gastrointestinal de animais e humanos.
Sua descoberta se deu no século XIX por Louis Pasteur, ao identificar uma bactéria que crescia em ambiente anaeróbio, ou seja, na ausência de oxigênio. A bactéria descoberta foi nomeada de Vibrion butyrique, posteriormente passando a ser conhecida como Clostridium butyricum.
O Clostridium é um gênero da classe Clostridia, uma das sete classes que pertencem ao filo Firmicutes. É importante esclarecer que Clostridia e Clostridium não são sinônimos. Até o momento, mais de 300 espécies foram identificadas dentro do gênero Clostridium, tornando-o um dos gêneros mais ricos em espécies do filo Firmicutes. Esta variedade confere ao gênero Clostridium uma importância significativa na composição da microbiota intestinal.
As espécies pertencentes ao gênero Clostridium incluem bactérias sacarolíticas e proteolíticas, ou seja, bactérias capazes de fermentar carboidratos ou proteínas, respectivamente. No processo de fermentação destes substratos são formados metabólitos, destacando-se os ácidos graxos de cadeia curta, que tem atuação importante na nossa saúde.
Dentro deste gênero existem também algumas espécies capazes de produzir toxinas, que afetam negativamente a saúde. Por conta desta característica, muitas vezes, a presença do gênero Clostridium na microbiota é associada a doenças.
Mas afinal, Clostridium é benéfico ou prejudicial?
O gênero Clostridium é predominantemente composto por bactérias comensais, ou seja, elas se beneficiam do ambiente intestinal, mas não nos fazem mal, habitando o trato gastrointestinal de forma harmônica, como por exemplo, a espécie Clostridium butyricum.
Esta espécie é responsável pela produção de butirato, um ácido graxo de cadeia curta, importante metabólito produzido pela microbiota que atua na manutenção da barreira intestinal e no metabolismo do hospedeiro. Devido aos benefícios que estas bactérias exercem, pesquisadores vêm tentando identificar quais delas poderiam se tornar, no futuro, probióticos com aplicabilidade na saúde humana.
Este gênero também tem importante aplicabilidade na indústria química, auxiliando na produção de solventes, polímeros, álcool e outras substâncias. Além disso, na medicina, os seus metabólitos também podem ser utilizados, como na aplicação de toxina botulínica terapêutica em síndromes dolorosas, problemas oftalmológicos, dermatológicos, neurológicos, doenças do sistema urinário, espasmos, entre outros e na cosmetologia no auxílio de redução de rugas com aplicações de injeções de botox.
O gênero Clostridium também participa do metabolismo dos ácidos biliares, substâncias produzidas pelo fígado que quebram a gordura ingerida nas refeições. Este mecanismo auxilia na redução do colesterol, e atua impedindo a colonização da bactéria Closdridioides difficile.
O C. difficile não pertence mais ao gênero Clostridium. Em 2016, após uma reclassificação taxonômica, esta bactéria passou a pertencer ao gênero Clostridioides, sendo chamado de Clostridioides difficile.
Por outro lado, dentro deste gênero existem cerca de 35 espécies que são consideradas patogênicas e produtoras de toxinas, como: C. botulinum, C. perfringens, C. tetani, entre outros. Tais bactérias produzem toxinas que causam diferentes doenças, que podem acometer o intestino ou outros órgãos, tendo em muitos casos uma alta gravidade como Botulismo, Tétano e Diarreia infecciosa.
Vamos conhecer um pouco melhor as principais espécies patogênicas deste gênero:
A espécie Clostridium perfringens é uma das principais causadoras de diarreia por intoxicação alimentar. Ela é responsável pela secreção de cerca de 20 toxinas diferentes e está associada a diversas doenças intestinais e extra intestinais, tais como: diarreia, enterite, mionecrose e gangrena gasosa. Sua fonte de contaminação principal é via alimentos mal cozidos, em especial as carnes.
A espécie Clostridium tetani é o patógeno causador do tétano, uma doença considerada um problema de saúde pública em países em desenvolvimento, pois sua taxa de mortalidade pode chegar a 100% na ausência de tratamento. É um bacilo anaeróbio, produtor de esporos que estão naturalmente presentes no solo e dejetos, que são lugares úmidos e quentes. A exposição de feridas a essa bactéria favorece a infecção e por consequência a produção da toxina, que é a causadora da doença. O tétano neonatal é comum em lugares onde a condição de higiene do parto não é adequada, já o tétano causado por contaminação de feridas é mais comum em idosos e em pessoas com o calendário vacinal desatualizado.
A espécie Clostridium botulinum produz a toxina botulínica, que é considerada a mais potente conhecida pelo homem. A intoxicação com essa neurotoxina, causa uma doença neuroparalítica grave, que pode levar à morte, conhecida como Botulismo. É transmitida por alimentos, principalmente vegetais enlatados ou em conservas caseiras, pois o processamento térmico pode eliminar outras bactérias e permitir a proliferação excessiva de C. botulinum. É considerada uma bactéria anaeróbica, Gram-positiva, em forma de bastonete, formadora de endoesporos que são muito resistentes à condições adversas, sua distribuição é onipresente na natureza, com isso, a contaminação de alimentos com esporos de C. botulinum é frequente.
Além disso, há relatos do envolvimento de Clostridium com algumas condições, como o Transtorno do espectro autista, por exemplo. O primeiro relato surgiu após pais observarem que o uso de antibióticos melhorava momentaneamente o quadro clínico, levando em 2002 a publicação de um estudo comparando a microbiota de crianças com TEA e neurotípicas.
Neste trabalho, um dos gêneros que estava aumentado era o Clostridium, o que levantou a hipótese de seu envolvimento na doença. Porém, os mecanismos pelos quais o Clostridium pode contribuir com o transtorno do espectro autista ainda não estão claros. Vale ressaltar que, até o momento, não há um perfil de microbiota intestinal característico do transtorno do espectro autista.
Você conseguiu ver que o gênero Clostridium não é apenas um vilão na microbiota? Por isso é importante entender o papel que cada microrganismo desempenha na microbiota intestinal e qual impacto no contexto clínico de cada paciente.
Como identificar Clostridium no intestino?
A identificação de Clostridium na microbiota intestinal pode ser feita através do sequenciamento de DNA das fezes, como os exames PRObiome e PRObiome Plus. Essa informação pode então ser correlacionada com os dados clínicos, auxiliando na conduta personalizada dos pacientes.
Procure o seu médico ou nutricionista e converse sobre como estes exames podem ajudar a cuidar da sua saúde de forma mais precisa.
Leia também: Como é feito o exame de microbiota?
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