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Como a bactéria Clostridioides difficile pode impactar a saúde

Saiba mais sobre C. difficile, a bactéria que causa diarreia associada a antibióticos. Entenda sobre a nova classificação, patogenicidade, efeitos na saúde e a relação com a microbiota intestinal.


Louise Crovesy de Oliveira


Por Louise Crovesy de Oliveira

Nutricionista, Doutora em Ciência da Nutrição pela UFRJ e Especialista de Produto na BiomeHub.




Neste postblog será abordado:



 

Clostridioides difficile


O que é Clostridioides difficile?

Clostridioides difficile é uma bactéria em forma de bastonete, gram-positiva, anaeróbia obrigatória, que pertence ao gênero Clostridioides, filo Firmicutes.

Ela possui a capacidade de formar esporos, o que garante sua sobrevivência em ambientes hostis, sendo encontrada no meio ambiente e no trato gastrointestinal de animais e humanos.


Classificação taxonômica antiga de Clostridioides difficile
Classificação antiga

A espécie C. difficile foi descoberta em 1935 por Hall e O’Toole através do isolamento da bactéria, até então desconhecida, mas naquele momento, não foi considerada deletéria à saúde humana.



Classifificação taxonômica atual de Clostridioides difficile
Classificação atual



Inicialmente, a bactéria foi nomeada com o Bacillus difficilis, posteriormente passando a se chamar Clostridium difficile, e a partir de 2016 como Clostridioides difficile. A mudança no seu nome e no gênero a qual pertence, se deu por diferenças genéticas.






Em 1978, o C. difficile foi identificado como o causador de diarreia associada ao uso de antibióticos e a colite pseudomembranosa, que é uma condição inflamatória do cólon, em que ocorre a formação de placas que formam pseudomembranas na mucosa. É caracterizada por dor abdominal, diarreia, febre e leucocitose. A partir de então, essa bactéria passou a ter maior relevância clínica devido ao seu potencial patogênico. Sua patogenicidade está associada à produção de diversas toxinas, sendo as toxinas A e B os principais fatores de virulência. A infecção por C. difficile (ICD) causa morte das células epiteliais, extensa inflamação do cólon e danos locais e sistêmicos.


Entre adultos saudáveis ​​sem fatores de risco prévios para ICD, a prevalência de colonização assintomática por C. difficile varia até 15%. Também está comumente presente na microbiota intestinal de bebês sem causar ICD.

 

Como a bactéria Clostridioides difficile  pode impactar a saúde do hospedeiro?

A ICD é causada pela aquisição de esporos por via oral-fecal, principalmente em ambientes hospitalares, tornando-se uma infecção nosocomial. A forma de esporo não é capaz de causar infecção, mas garante a sobrevivência do microrganismo quando em contato com a acidez do suco gástrico, permitindo a posterior colonização intestinal. Uma vez no intestino, o esporo detecta um ambiente adequado e germina, permitindo que as bactérias proliferem e colonizem a microbiota intestinal.


Após a colonização, C. difficile passa a produzir toxinas A e B, que se ligam a receptores de superfície específicos, promovendo a ruptura das tight-junctions e danificando as células epiteliais intestinais. Este dano celular recruta células imunológicas através da sinalização via citocinas e quimiocinas secretadas pelas células danificadas.


Essa resposta imune pode levar à intoxicação devido ao excesso de células imunes no local (monócitos e macrófagos), que estimulam a produção de IL-1 e a piroptose (morte celular por inflamação excessiva), causando ainda mais inflamação e danos intestinais. Além disso, as toxinas aumentam a adesão da bactéria às células intestinais, facilitando a sua persistência no intestino.


O comprometimento da barreira intestinal afeta os transportadores de eletrólitos, como sódio, cloro e carboidratos, fazendo com que se acumulem no lúmen intestinal. Desta forma atrai água para o lúmen do intestino, aumentando a frequência evacuatória e alterando a consistência das fezes para liquida, promovendo um quadro de diarreia.


A ICD pode ser classificada como leve, grave e muito grave/fulminante:


  • Leve: os sintomas incluem diarreia, febre abaixo de 38,5ºC e dor abdominal, sem sinais de agravamento da infecção.

  • Grave: caracterizada por febre acima de 38,5ºC, leucocitose (leucócitos > 15.000 células/mL) ou creatinina sérica ≥ 1,5 mg/dL.

  • Muito Grave/Fulminante: inclui sintomas como hipotensão ou choque séptico, lactato sérico elevado, íleo tóxico ou megacólon, perfuração intestinal ou rápida deterioração do paciente.


Alguns indivíduos estão mais propensos a desenvolver ICD devido a vários fatores. Os principais fatores de risco para ICD incluem:


  • Idade acima de 60 anos;

  • Uso de inibidores da bomba de prótons; 

  • Uso de antibióticos;

  • Presença de doença inflamatória intestinal (DII);

  • Estado imunocomprometido;

  • ICD anterior, que aumenta o risco de recorrência.

Cerca de 20% dos casos de ICD são recorrentes, ou seja, representam uma nova infecção por C. difficile. Após a primeira recorrência o risco de uma nova infecção (segunda recorrência) aumenta para 40%, e para uma terceira infecção o risco passa para 60%. Estes dados mostram que a cada nova infecção as chances de ter uma nova ICD são crescentes, devido ao comprometimento da microbiota intestinal com o tratamento para ICD, tornando-a mais suscetível a uma nova infecção.



Microbiota e a suscetibilidade a infecção

A microbiota intestinal, quando em equilíbrio, impede que C. difficile se instale ou cause infecção através de alguns mecanismos importantes, como:


  • Competição por nutrientes;

  • Produção de ácidos graxos de cadeia curta;

  • Redução do pH intestinal;

  • Produção de ácidos biliares secundários (inibem germinação e proliferação de  C. difficile);

  • Produção de antimicrobianos (ex.: bacteriocinas);

  • Regulação do sistema imunológico;

  • Manutenção da barreira intestinal.


Quando há um desequilíbrio, principalmente relacionado à redução da diversidade, a microbiota intestinal fica mais vulnerável para que  bactérias patogênicas e oportunistas se instalem e colonizem esse ambiente.


A redução da diversidade microbiana indica perda de função na microbiota intestinal, principalmente a função protetora, pois permite que microrganismos como o C. difficile se instalem e passem a competir por nutrientes e espaço com os microrganismos residentes. Ademais, as funções citadas acima são perdidas, deixando brechas para que microrganismos deletérios se mantenham na microbiota intestinal e causem prejuízos ao hospedeiro.


 

Como descobrir se a diarreia é causada por Clostridioides difficile?

O diagnóstico de ICD envolve diferentes testes e deve ser feito apenas em pacientes que tiveram pelo menos três episódios de fezes não formadas em 24 horas sem causa identificada. Os testes de diagnóstico incluem:


  • Imunoensaio enzimático para toxinas A e B (EIA);

  • Imunoensaio enzimático para glutamato desidrogenase (GDH);

  • Ensaios moleculares para detecção dos genes codificantes das toxinas ou do DNA de C. difficile.


As diretrizes recomendam o uso de uma combinação desses testes para detecção precisa de CDI. A escolha do teste leva em consideração o custo, sensibilidade e especificidade, tempo de resultado e disponibilidade. A detecção das toxinas A e B por imunoensaios enzimáticos é simples e barata, mas apresenta sensibilidade baixa na maioria dos testes.


A detecção do antígeno no teste de glutamato desidrogenase confirma a presença do microrganismo, porém não indica se ele é toxigênico. As diretrizes da Society for Healthcare Epidemiology of America e da Infectious Disease Society of America recomendam os ensaios moleculares, pois representam a melhor alternativa como teste confirmatório, uma vez que são fáceis de realizar e têm maior especificidade e sensibilidade.


Em crianças, os critérios para o teste CDI diferem daqueles dos adultos. Os testes de diagnóstico são recomendados para:


  • Crianças de 1 a 2 anos com diarreia, após exclusão de outras causas;

  • Crianças com mais de 2 anos com diarreia prolongada, agravamento dos fatores de risco (como doença inflamatória intestinal ou condições imunocomprometidas) ou exposições relevantes (como contacto recente com cuidados de saúde ou utilização de antibióticos).


O teste não é recomendado para bebês menores de 1 ano de idade, pois eles são comumente colonizados por C. difficile assintomático.

A identificação de Clostridioides difficile na microbiota intestinal pode ser feita  através do sequenciamento de DNA das fezes, como os exames PRObiome e PRObiome Plus. A identificação dos genes das toxinas A e B pode ser feita através do teste Painel molecular de toxinas.


  • As toxinas são detectadas em cerca de 50% dos casos positivos para os genes codificantes tcdA e tcdB.


Essas informações podem então ser correlacionadas com os dados clínicos, auxiliando na conduta personalizada dos pacientes. Procure o seu médico ou nutricionista e converse sobre como estes exames podem ajudar a cuidar da sua saúde de forma mais precisa.




 

Encontrei C. difficile no exame de microbiota intestinal, o que fazer? 

Antes de abordar o tratamento, é fundamental diferenciar duas situações: indivíduos com colonização assintomática por C. difficile e aqueles sintomáticos que desenvolvem ICD. Cada um requer uma abordagem específica.


Para a colonização assintomática por C. difficile, a terapia antibiótica não é necessária, uma vez que os antibióticos podem perturbar a microbiota e promover a ICD. Em vez disso, recomenda-se manter uma microbiota equilibrada através de hábitos de vida saudáveis ​​para prevenir a ICD. Isso envolve a promoção de um estilo de vida saudável que apoie a saúde intestinal. Uma dieta variada e rica em fibras ajuda a manter as bactérias benéficas na microbiota e garante a ingestão adequada de nutrientes, apoiando a barreira intestinal e o sistema imunológico.


Para ICD sintomática, a antibioticoterapia é usada para tratar a infecção inicial e até duas recorrências. Após três recorrências, ou quatro casos de ICD, o transplante fecal pode ser considerado, dependendo da avaliação do profissional de saúde que cuida do caso.


No Brasil, a única indicação de transplante fecal na prática clínica é para tratamento de ICD. Estudos mostram que é eficaz, mas permanecem desafios na determinação da frequência de transplante necessária para erradicar a infecção e como sustentar os resultados a longo prazo.


O uso de probióticos para tratar ou prevenir a ICD permanece controverso e atualmente não é recomendado pelas diretrizes. Embora algumas evidências iniciais sugiram que certas cepas probióticas possam ajudar a tratar a ICD e prevenir recorrências, elas podem representar um risco de bacteremia em pacientes imunocomprometidos.


Dado que a terapia antibiótica é a primeira linha de tratamento e a composição da microbiota desempenha um papel crucial na prevenção da ICD, os profissionais de saúde devem concentrar-se na manutenção de uma microbiota intestinal equilibrada para evitar a recorrência.



Assim, cuidar da microbiota intestinal é essencial para prevenir a ICD!


 

Referências:

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