Aprenda sobre Bifidobacterium, seu papel na saúde intestinal, no desenvolvimento do sistema imunológico e como aumentar sua abundância por meio de dieta e probióticos.
Por Sabrina Reis
Nutricionista, PhD e Especialista de Produto na BiomeHub.
Neste postblog será abordado:
O que são as bifidobactérias?
As bifidobactérias são um grupo de bactérias benéficas que residem no intestino. Elas desempenham um papel importante na manutenção da saúde intestinal e no fortalecimento do sistema imunológico.
As bactérias do gênero Bifidobacterium foram identificadas pela primeira vez no início de 1900 pelo pediatra francês Henri Tissier, que observou menos bactérias em forma de Y nas fezes de bebês com problemas gastrointestinais em comparação com bebês saudáveis.
Com isso, ele sugeriu que essas bactérias poderiam ser importantes para tratar a diarreia. Ao mesmo tempo, o zoólogo russo Elie Metchnikoff associou a longevidade dos consumidores de iogurte aos efeitos benéficos das bifidobactérias, sugerindo que elas promovem a saúde.
As bactérias do gênero Bifidobacterium pertencem ao filo Actinobacteria. O filo Actinobacteria está entre os filos mais abundantes no intestino humano, junto com Firmicutes e Bacteroidetes.
Embora Firmicutes e Bacteroidetes dominem em adultos, o filo Actinobacteria, especialmente o gênero Bifidobacterium, domina a microbiota de bebês amamentados, muitas vezes compreendendo mais de 90% das bactérias intestinais.
O gênero Bifidobacterium compreende mais de 100 espécies diferentes, estão presentes na microbiota intestinal humana promovendo benefícios para a saúde do hospedeiro.
As espécies mais estudadas do gênero Bifidobacterium são:
Bifidobacterium lactis,
Bifidobacterium bifidum,
Bifidobacterium breve,
Bifidobacterium adolescentis e
Bifidobacterium longum.
Essas bactérias são heterofermentativas, produzindo acetato e ácido lático, a partir de diferentes fontes de carboidratos (lactose, galactose, sacarose, manitol, sorbitol). As bactérias do gênero Bifidobacterium metabolizam a glicose por uma via diferente de outras bactérias ácido láticas, conhecida como via bifid shunt. Esta via resulta na produção de ácido acético e ácido lático, além de ATP, mas com menor produção de gás carbônico.
A população de Bifidobacterium ao longo da vida
Vários fatores podem influenciar a abundância de Bifidobacterium no intestino, incluindo dieta, estilo de vida, condições de saúde subjacentes, sexo, etnia e localização geográfica. Curiosamente, umas das espécies mais prevalentes de bifidobactérias é a Bifidobacterium longum subsp. longum, estudos observaram que ela está presente na microbiota intestinal desde bebês, até idosos centenários. Ao investigar a similaridade genômica de Bifidobacterium longum subsp. longum em indivíduos de uma mesma família, observou-se que eram praticamente idênticas, sugerindo que essa espécie pode ser transmitida ao longo de gerações.
Espécies como B. longum subsp. infantis ou B. bifidum são comuns na microbiota infantil, pois têm alta capacidade de fermentar carboidratos conhecidos como Oligossacarídeos do Leite Humano (HMO). O aleitamento materno confere a essas bactérias uma vantagem competitiva no intestino dos lactentes, onde os HMOs são abundantes. Já espécies de B. longum subsp. longum, mais comum em adultos, não costumam ser capazes de utilizar HMO como substrato.
Essas bactérias estão entre as primeiras a colonizar o intestino de um recém-nascido e são cruciais para o desenvolvimento do sistema imunológico e para o processamento de nutrientes.
Bifidobacterium pode atuar como probiótico?
As bifidobactérias fazem parte de um grande grupo de microrganismos que fermentam carboidratos para produzir ácido lático, denominadas como bactérias ácido láticas (BAL), representadas principalmente pelos gêneros Lactobacillus, Streptococcus, Enterococcus, Lactococcus, Leuconostoc e Bifidobacterium.
As BAL são essenciais na fermentação de alimentos (produção de iogurte e queijos, vegetais), essas bactérias não apenas melhoram a textura e o sabor dos alimentos, mas também promovem a saúde digestiva e o equilíbrio da microbiota intestinal. A maioria dos probióticos são bactérias ácido-láticas, mas outras espécies, tais como, Bacillus cereus, e as leveduras Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces boulardii também podem fazer parte da formulação de probióticos.
Leia também: Probióticos: vilões ou mocinhos?
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), os probióticos são definidos como “microrganismos vivos que, ingeridos em quantidades adequadas, têm efeitos benéficos no organismo”. Os benefícios atribuídos às bactérias do gênero Bifidobacterium são inúmeros e tem sido demonstrado nas mais diferentes patologias, como diarreia, alergias, câncer e em casos de enterocolite necrosante em bebês prematuros.
Várias cepas de bifidobactérias são comumente usadas como probióticos:
Bifidobacterium longum 35624: conhecida por amenizar sintomas da SII.
Bifidobacterium lactis HN019: ajuda nos casos de constipação intestinal.
Benefícios clínicos
Estudos mostram que as bifidobactérias competem com bactérias patogênicas por nutrientes e espaço no intestino, ajudando a prevenir infecções, ajudam a reduzir a inflamação crônica, melhoram a resposta imunológica e produzem ácidos graxos de cadeia curta.
1. Modulação da Resposta Imunológica
As bifidobactérias têm um papel importante na redução da inflamação intestinal. Por exemplo, a administração de B. longum subsp. longum leva à ativação da citocina interferon-γ produzida pelas células T e reduz a produção das proteínas antibacterianas Reg3γ e Pap., ou seja, a suplementação dessa cepa reduz as proteínas antibacterianas, o que pode sugerir uma resposta imune mais reguladora ou moduladora.
Vários estudos também indicam que bactérias do gênero Bifidobacterium podem fortalecer o sistema imunológico. Estudos sugerem que a colonização microbiana desequilibrada do trato gastrointestinal e, especialmente, a redução de Bifidobacterium sp. no início da vida estão associadas a um aumento do risco de desenvolvimento de doenças atópicas e alérgicas.
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2. Produção de ácidos graxos de cadeia curta
As bactérias do gênero Bifidobacterium fermentam carboidratos não digeridos produzindo principalmente acetato. Os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como acetato, são metabólitos importantes para a saúde humana. Além disso, bactérias deste gênero interagem com bactérias produtoras de butirato através de mecanismos de cross-feeding. Os AGCC são uma fonte chave de energia para enterócitos do cólon, atuam como ligantes para receptores acoplados à proteína G envolvidos na sinalização anti-inflamatória, e modulam a maturação e função de microglia no sistema nervoso central.
3. Nutrientes e vitaminas
Outra função importante das bifidobactérias é que o corpo humano produz um número limitado de enzimas capazes de degradar carboidratos complexos. Conseguimos absorver açúcares simples como glicose e frutose, dissacarídeos como sacarose e maltose e polissacarídeos como amido, por outro lado, não conseguimos digerir polissacarídeos de fibras como pectinas, xilanas e arabinose. E justamente esses açúcares que escapam da nossa digestão chegam intactos ao intestino grosso sendo ótimas fontes de carbono e energia para as bactérias intestinais, como fruto-oligossacarídeos (FOS), galacto-oligossacarídeos (GOS), glico-oligossacarídeos, xilo-oligossacarídeos, inulina, amido, arabinoxilano, arabinogalactano, lactulose e rafinose.
É importante destacar que essa capacidade de degradar diferentes tipos de carboidratos impacta na localização de cada bactéria no trato gastrointestinal, por exemplo, Lactobacillus têm maior capacidade de digerir carboidratos mais simples, fazendo com que sua abundância permaneça maior no intestino delgado, já Bifidobacterium tem capacidade de degradar carboidratos mais complexos, que percorrem todo trato digestivo, sendo mais abundante nas porções finais do intestino.
Além disso, a análise genômica das cepas de Bifidobacterium mostrou que elas são capazes de produzir uma variedade de vitaminas do complexo B como tiamina (B1), piridoxina (B6), ácido fólico (B11), ácido nicotínico (ou niacina; B3) e riboflavina (B2). Sabe-se que 76 cepas de Bifidobacterium que pertencem a 9 espécies diferentes têm capacidade de produzir e fornecer ácido fólico aos colonócitos em proliferação.
Como aumentar os níveis de Bifidobacterium via dieta?
As bactérias do gênero Bifidobacterium são sacarolíticas, obtendo a maior parte de sua energia a partir de carboidratos não digeríveis, como oligossacarídeos de origem humana e vegetal. Embora mais pesquisas sejam necessárias para entender completamente como podemos aumentar a abundância de Bifidobacterium, algumas estratégias parecem promissoras:
Oligossacarídeos do leite materno (HMO);
Galacto-oligossacarídeos (GOS) - encontrados no leite, leguminosas;
Fruto-oligossacarídeos (FOS) - encontrados no alho, cebola, trigo, agave azul, aspargos;
Inulina - encontrada no alho, cebola, yacon, chicória, aspargos, alcachofra;
Amido resistente - encontrado na biomassa de banana verde, cereais, sementes, frutas e vegetais amiláceos;
Goma acácia;
Goma guar parcialmente hidrolisada.
Além disso, o uso de probióticos também pode aumentar a população de Bifidobacterium no intestino. Porém, os probióticos colonizam transitoriamente a mucosa intestinal humana em padrões altamente individualizados e depende da interação com a microbiota basal, das cepas probióticas utilizadas e da região do trato gastrointestinal onde se encontram. Além disso, a abundância elevada dessa bactéria pode gerar gases que podem gerar desconforto gastrointestinal e ácidos graxos de cadeia curta em excesso.
Como identificar Bifidobacterium no intestino?
A identificação de Bifidobacterium na microbiota intestinal pode ser feita através do sequenciamento de DNA das fezes, como os exames PRObiome e PRObiome Plus. Essa informação pode então ser correlacionada com os dados clínicos, auxiliando na conduta personalizada dos pacientes.
Procure o seu médico ou nutricionista e converse sobre como estes exames podem ajudar a cuidar da sua saúde de forma mais precisa.
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