Artigo comentado: Gut microbiota-mediated nucleotide synthesis attenuates the response to neoadjuvant chemoradiotherapy in rectal cancer
Será que a microbiota intestinal pode interferir ou até mesmo determinar a resposta de pacientes oncológicos a tratamentos?
Um estudo que analisou a composição das bactérias que vivem no intestino humano traz indícios de que isso é possível. O estudo, realizado por cientistas de uma universidade chinesa e publicado na revista científica Cell em 2022, observou que algumas bactérias que compõem a nossa microbiota intestinal podem tornar tumores mais resistentes aos tratamentos utilizados no combate ao câncer, como quimioterapia e radioterapia. O estudo foi realizado a partir de amostras de fezes de pacientes com câncer no intestino, o chamado Câncer Colorretal*.
Os cientistas analisaram a composição das bactérias do intestino de pacientes com Câncer Colorretal antes e após o tratamento com quimiorradioterapia, que é a combinação de quimioterapia e radioterapia.
Os pacientes avaliados apresentaram diferentes respostas ao tratamento, alguns pacientes responderam de forma positiva, chamados de pacientes responsivos, enquanto outros pacientes não responderam ao tratamento, os pacientes não responsivos. Os pesquisadores então avaliaram se existia alguma diferença entre a microbiota intestinal dos pacientes responsivos e não responsivos.
O que chamou mais a atenção dos pesquisadores foi que os pacientes não responsivos tinham uma maior proporção de uma bactéria específica, a espécie Bacteroides vulgatus. Essa bactéria faz parte da microbiota intestinal humana, mas os pacientes não responsivos ao tratamento tinham uma abundância muito maior quando comparados aos pacientes que responderam ao tratamento.
Além disso, os pesquisadores identificaram uma maior quantidade de metabólitos associados à síntese de DNA nas fezes dos pacientes não responsivos. Experimentos realizados em laboratório mostraram que a espécie B. vulgatus possui uma boa capacidade de produzir uma classe de moléculas que são matéria-prima para a síntese de DNA nas células, os chamados nucleotídeos, que são as pequenas unidades formadoras do DNA.
Com essa descoberta, os pesquisadores decidiram investigar se os nucleotídeos produzidos pela espécie Bacteroides vulgatus poderiam estar sendo utilizados por células tumorais para sobreviver aos tratamentos com quimioterapia e radioterapia.
Os tratamentos mais utilizados contra o câncer tem como alvo o DNA, causando lesões no material genético das células tumorais e induzindo assim um bloqueio da proliferação celular. Os tumores geralmente apresentam uma taxa de proliferação celular mais acelerada, então as células tumorais são mais afetadas com os tratamentos que agem nesse processo.
Por meio de um experimento realizado no laboratório, os pesquisadores observaram que a suplementação com nucleosídeos, a matéria-prima para a produção dos nucleotídeos que compõe o DNA, tornava as células de câncer colorretal mais resistentes ao tratamento com radiação e o medicamento 5-fluorouracil, que é utilizado como tratamento quimioterápico para o câncer colorretal.
Os pesquisadores também fizeram alguns experimentos utilizando camundongos com câncer colorretal. Eles observaram que os camundongos que recebiam suplementação com nucleosídeos ou com Bacteroides vulgatus tinham tumores com menos lesões no DNA após o tratamento com radiação e também com o quimioterápico 5-fluorouracil. No entanto, esse efeito protetor do DNA contra lesões era perdido quando os animais recebiam a droga NBMPR, que bloqueia a captação de nucleosídeos.
Os cientistas também consultaram informações depositadas em um importante banco de dados americano, o TCGA (The Cancer Genome Atlas), para analisar o metabolismo de tumores de pacientes com Câncer Colorretal não responsivos ao tratamento. Eles descobriram que tumores não responsivos têm mais genes ativos envolvidos com mecanismos de reparo de lesões no DNA e de transporte de nucleosídeos.
Dessa forma, os pesquisadores conseguiram identificar uma importante interação entre a microbiota intestinal e a resposta aos tratamentos oncológicos, demonstrando que as bactérias da microbiota intestinal produzem nucleotídeos que são utilizados pelas células tumorais para se proteger contra os tratamentos.
Além disso, esse estudo levanta a discussão de como a microbiota intestinal humana pode interferir e até mesmo determinar a resposta aos tratamentos de pacientes com câncer no intestino.
Os exames que possibilitam a identificação das bactérias presentes na microbiota intestinal através do sequenciamento de DNA, como o PRObiome, podem ser correlacionados com as informações clínicas, auxiliando na conduta personalizada dos pacientes. Além disso, podem auxiliar no acompanhamento frente às terapias e estratégias de modulação da microbiota intestinal.
Se você tiver alguma dúvida sobre o nosso exame entre em contato conosco.
*Mudanças no hábito intestinal, presença de sangue nas fezes e sensação de que o intestino não é completamente esvaziado são sinais de alerta. Busque ajuda de um profissional qualificado para lhe acompanhar e realize exames de rastreamento do câncer colorretal após os 45 anos.
Fonte:
TENG, HUAJING et al. Gut microbiota-mediated nucleotide synthesis attenuates the response to neoadjuvant chemoradiotherapy in rectal cancer. Cancer Cell. 2023. https://doi.org/10.1016/j.ccell.2022.11.013