As novas tecnologias tornaram possível explorar o papel das bactérias intestinais, na saúde e na doença. Hoje, alguns pesquisadores focam em como a microbiota interage, influencia e é afetada por níveis de atividade física, seja de um atleta amador ou profissional. Pensando nisso, a Profª Dra. Adriane Antunes de Moraes, nutricionista formada pela UFPEL, Doutora em Alimentação e Nutrição pela UNICAMP e com Pós-Doutorado no Instituto de Tecnologia de Alimentos ITAL, juntamente com o Nutricionista e Mestrando Giulio Kai Saragiotto iniciaram um projeto onde avaliam a relação entre a microbiota intestinal e o surgimento de alguns sintomas gastrointestinais durante provas de ultramaratona.
A ultramaratona é caracterizada por percursos superiores a 42 Km de distância que podem ultrapassar até 100 horas de duração. O exercício físico extremo é um estressor à microbiota intestinal, podendo causar disbiose - um desequilíbrio do microbioma intestinal - que pode estar associado ao desenvolvimento de alguns transtornos. Isso significa que, em alguns casos, o excesso de exercícios pode causar mais danos do que benefícios.
O corpo de um ultramaratonista exige demandas incríveis durante os treinamentos, tanto fisiológica quanto bioquimicamente. Essas demandas não apenas provocam respostas dos músculos, mas de todo o corpo, e podem resultar em reações sistêmicas.
Quando um atleta de elite expõe repetidamente seu corpo a essas circunstâncias fisiológicas drásticas, isso pode interromper a homeostase do corpo, sobrecarregar os órgãos e afetar o funcionamento normal, podendo impactar a microbiota intestinal do atleta. É uma modalidade de esporte que possui grande relato de lesões e desenvolvimento de sintomas gastrointestinais.
"É comum encontrar relatos na literatura científica atual do desenvolvimento de sintomas gastrointestinais nesses atletas, onde alguns autores relatam que cerca de 90 % desses indivíduos desenvolvem algum tipo de sintomas durante a prova de ultramaratona. Os principais sintomas são: vômito, diarreia, flatulência, eructação e náusea." explica Giulio.
Poucos estudos sobre o comportamento da microbiota de atletas de alta performance foram publicados até o momento. Porém, sabe-se que alguns gêneros de bactérias podem aumentar ou diminuir. Em um desses estudos, um grupo de pesquisadores de Harvard coletou amostras de microbiomas intestinais de atletas em treinamento para a Maratona de Boston. Depois da maratona, eles encontraram uma presença elevada de um tipo de bactéria - Veillonella atypica - que apresenta a capacidade de metabolizar o lactato. Posteriormente, os autores inocularam essas bactérias em animais e observaram um aumento no tempo de corrida em esteira (os animais conseguiram aumentar o seu tempo de corrida até a exaustão).
Quando nos exercitamos, nossos músculos produzem o lactato. O acúmulo de íons de hidrogênio pode resultar temporariamente em músculos doloridos. A Veillonella atypica é conhecida por sua capacidade de metabolizar o lactato e o “transformar” em ácidos graxos de cadeia curta, propionato e acetato.
O estudo apontou também que a Veillonella atypica, encontrada na microbiota intestinal de atletas de elite, não foi encontrada na microbiota de pessoas sedentárias. O aumento dessa bactéria em particular está relacionado a uma resposta ao aumento dos níveis de lactato plasmático no corpo, pois é sua fonte de “alimento”.
Outro estudo apresentou diminuições de espécies de bactérias que produzem o ácido butírico em atletas que praticam ultramaratona. O ácido butírico tem um impacto muito positivo na saúde intestinal, o que afeta a saúde de todo o corpo. Ácidos graxos de cadeia curta, como o ácido butírico, podem ajudar a manter o intestino saudável, o que evita a síndrome do intestino permeável e todos os tipos de problemas relacionados a essa condição.
Sabendo da importância da microbiota intestinal e da escassez de dados na literatura científica, a Dra. Adriane juntamente com mestrando Giulio, iniciaram o projeto que tem como objetivo observar como uma prova de ultramaratona pode impactar a microbiota intestinal, a produção de alguns metabólitos e o desenvolvimento de sintomas gastrointestinais.
Eles nos explicaram que "antes de iniciarem o projeto, os atletas foram instruídos a manterem seus hábitos alimentares “padrões”, treinos semanais em endurance e a não utilização de antibióticos e probióticos nos 3 últimos meses antecedentes à pesquisa."
Uma semana antes da prova foram coletados os materiais biológicos (fezes e urina), bem como aferidas as medidas antropométricas. Os atletas foram instruídos a responderem a dois questionários (de sintomas gastrointestinais e consumo alimentar). No término da prova foram coletados novamente os materiais biológicos e aplicado outro questionário de sintomas gastrointestinais. Uma semana após o término da prova foi aplicado um questionário para avaliar o nível de treinamento dos atletas e coletado as amostras de fezes novamente.
"Após as coletas dos materiais biológicos, foram realizadas análises dos metabólitos da microbiota intestinal (quantificação de AGCC e amônia, nas fezes), qPCR de gêneros bacterianos de interesse, avaliação do nível de hidratação dos atletas, levantamento da prevalência de sintomas gastrointestinais desenvolvidos durante a prova, avaliação do padrão alimentar e avaliação do nível de treinamento dos atletas." explica Giulio.
O próximo passo da pesquisa é realizar em parceria com a BiomeHub, uma avaliação molecular completa das bactérias que compõem a microbiota intestinal. O sequenciamento de DNA em larga escala permite que amostras com alta diversidade de bactérias, como é o caso das amostras de fezes, sejam analisadas com sucesso. A qualidade dos resultados obtidos é garantida pela adoção de uma metodologia totalmente validada. Com os resultados gerados pelo sequenciamento das bactérias da microbiota intestinal a pesquisa vai buscar possíveis relações com os sintomas gastrointestinais desenvolvidos durante a prova.
"Em um futuro breve, talvez poderemos aprender a modular de forma positiva a composição da microbiota intestinal destes atletas de ultramaratonas, afim de favorecer maiores proporções de táxons bacterianos que possam ser benéficos para o desempenho dos atletas, bem como favorecer à síntese de metabólitos que de alguma forma, direta ou indireta, contribua para a performance e saúde dos ultramaratonistas. E com isso, talvez haja a possibilidade também, de diminuir a incidência e intensidade dos sintomas gastrointestinais desenvolvidos frequentemente por esses atletas durante as provas e contribuir de alguma forma para a saúde deles. A análise da composição da microbiota pode se tornar uma ferramenta importante neste sentido" conclui Giulio.
A conversa com os pesquisadores Giulio Kai Saragiotto e a Dra. Adriane Antunes de Moraes nos mostra que a composição do microbioma intestinal tem diferenças entre os indivíduos. A chave para se exercitar de uma forma ideal para sua saúde é encontrar o que é melhor para você e para o seu microbioma intestinal.