Como vimos no post "Qual a relação entre o intestino e doenças como depressão e diabetes?" os desequilíbrios na microbiota intestinal estão associados com diversas doenças, incluindo autoimunes, metabólicas, neoplásicas, neurológicas, gastrintestinais/digestivas, cardiovasculares, neurológicas e infecciosas.
Continuando, vamos entender quais são as relações do microbioma com:
Diabetes do tipo 1
O diabetes do tipo 1 é classificado como uma doença de predisposição genética. Entretanto, essa predisposição não age sozinha. Fatores ambientais, como a dieta, exposição a agentes infecciosos e alterações na composição das bactérias que compõem a microbiota intestinal também estão relacionados à doença.
Uma pesquisa desenvolvida por pesquisadores da USP mostrou que alterações nas populações de bactérias que colonizam o intestino pode desencadear o diabetes do tipo 1. Os autores observaram processos inflamatórios no intestino antes mesmo dos primeiros sinais clínicos da doença.
O desequilíbrio da microbiota intestinal é considerado um dos sinais do desenvolvimento do diabetes tipo 1.
Uma microbiota saudável é rica em bactérias com alto potencial probiótico, como por exemplo, espécies dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium. Quando essa microbiota saudável é substituída por microrganismos patogênicos e pró-inflamatórios, como a Escherichia coli, por exemplo, pode-se ter uma condição favorável ao desenvolvimento do diabetes tipo 1.
Osteoartrite
A osteoartrite (OA) é uma doença articular degenerativa e a forma mais comum de artrite: aproximadamente 22% da população adulta tem pelo menos uma articulação afetada pela osteoartrite e essa proporção aumenta para 49% em indivíduos acima de 65 anos.
Um estudo publicado na revista Nature mostrou que há relação entre dor nas articulações e a composição da microbiota intestinal. A abundância de Streptococcus pode levar a um aumento da produção de metabólitos que atravessam a barreira intestinal e caem na circulação sanguínea ou através de produtos imunogênicos que estimulam macrófagos locais ou sistêmicos.
A inflamação mediada por macrófagos têm um papel crucial na dor e na gravidade da osteoartrite, e foi sugerido que ela seja desencadeada pelas endotoxinas produzidas pelo microbioma gastrointestinal.
Os resultados encontrados indicaram a microbiota intestinal como possível alvo terapêutico para o tratamento da osteoartrite.
Fibromialgia
A fibromialgia é um quadro generalizado de dor crônica que afeta 2,7% da população mundial. Entretanto, a poucos avanços foram conduzidos para identificação das causas da doença e o tratamento permanece apenas para alívio dos sintomas.
Recentemente um trabalho mostrou a relação do microbioma intestinal com o diagnóstico de fibromialgia. Após comparação e análise da microbiota intestinal de indivíduos com fibromialgia e indivíduos sem a doença, foi possível realizar o diagnóstico com precisão de 87% apenas com base no perfil do microbioma.
Ainda não está claro se as alterações na microbiota observadas em pacientes com fibromialgia são simplesmente marcadores da doença, ou se elas desempenham um papel no seu surgimento. De qualquer forma, os resultados abrem um novo campo de pesquisa e podem significar melhora no diagnóstico e tratamento da doença no futuro.
Doenças Cardiovasculares
Há pouco um estudo revelou que a microbiota intestinal e a microbiota oral estão relacionadas e que ambas podem ser usadas como preditoras de risco cardiovascular. Os autores mostraram uma associação muito clara entre risco cardiometabólico - possibilidade de desenvolver aterosclerose cardiovascular (CV) e diabetes mellitus - e diversidade da microbiota intestinal. Em geral, menos diversidade é igual a maior risco.
Além disso, os participantes do mesmo estudo que tinham alto risco cardiometabólico apresentaram um estado leve de inflamação, vinculado à presença de uma molécula denominada lipopolissacarídeo (LPS), originária de bactérias e causadora de inflamação.
Logo, o perfil bacteriano intestinal de um indivíduo pode ser preditivo e também servir como alvo terapêutico em indivíduos de alto risco.
Também é importante lembrar que uma maior diversidade bacteriana parece reduzir o risco cardiometabólico.
Dito isto, como poderíamos aumentar a diversidade de nossa microbiota intestinal? Segundo cientistas e nutricionistas, a melhor maneira de conseguir isso é levar uma vida saudável e uma dieta rica em fibras.
Câncer
Durante a última década, ficou mais evidente que os microrganismos intestinais podem:
produzir toxinas prejudiciais ao DNA e metabólitos carcinogênicos,
induzir inflamação promotora de câncer,
tornar os tumores mais resistentes aos medicamentos quimioterápicos e
suprimir as respostas imunológicas do corpo contra o câncer.
Os microrganismos intestinais também têm sido associados ao câncer de intestino, o terceiro tipo mais comum de câncer no mundo. Uma toxina produzida por uma cepa da bactéria intestinal chamada Bacteroides fragilis foi ligada ao desenvolvimento do câncer de intestino em 2009. Essa toxina estimula o crescimento de células imunológicas para o revestimento intestinal e promove uma cascata inflamatória que pode levar ao câncer.
Outro estudo fez uma descoberta semelhante: uma cepa de Escherichia coli induz o câncer de intestino através da produção de uma toxina que danifica o DNA. Outras bactérias residentes em tumores podem metabolizar quimioterapêuticos, o que contribui ainda mais para a resistência aos medicamentos.
Alguns tipos de câncer, como o colorretal, o de mama e o de endométrio, têm sido associados à presença no intestino, e até no próprio tecido neoplásico, de algumas bactérias dos gêneros Fusobacterium, Atopobium, Gluconacetobacter e Hydrogenophaga.
Com esses resultados, novos estudos e possibilidades estão sendo alcançadas. Mais uma vez, a capacidade de caracterizar o microbioma intestinal rapidamente traz grandes oportunidades de desenvolver um diagnóstico assertivo.
Por que realizar um teste de identificação das bactérias intestinais?
Esses são apenas alguns exemplos de doenças que podem ter relação com a microbiota intestinal. Sendo assim, é de fundamental importância conhecer a composição da microbiota pois ela atua diretamente na absorção de nutrientes e medicamentos, além da síntese de vitaminas, como B12 e K.
A microbiota intestinal também modula o sistema endócrino e com isso acaba influenciando o metabolismo do indivíduo. O sistema imune também é afetado pela microbiota intestinal, ou seja, manter a microbiota em equilíbrio ajuda a proteger contra microrganismos patogênicos. Além disso, as bactérias produzem neurotransmissores que atuam no sistema nervoso central, podendo influenciar em diversos aspectos da saúde, desde o comportamento até o próprio metabolismo.
Assim, acompanhar e entender a composição da microbiota intestinal é um excelente indicador de manutenção da saúde.
Hoje existem no mercado exames que possibilitam a identificação das bactérias presentes na microbiota através do sequenciamento de DNA. As informações do sequenciamento correlacionadas com as condições clínicas podem fornecer informações valiosas para você, profissional da saúde, que terá condutas individualizadas e baseadas em evidências.
Fontes:
Ahmed I, Roy BC, Khan SA, Septer S, Umar S. Microbiome, metabolome and inflammatory bowel disease. Microorganisms. 2016; 4(2). pii: E20
Arthur JC, Perez-Chanona E, Mühlbauer M, et al. Intestinal inflammation targets cancer-inducing activity of the microbiota. Science. 2012;338(6103):120–123. doi:10.1126/science.1224820
Benjamin EJ, Virani SS, Callaway CW, et al. Heart disease and stroke statistics-2018 update: a report from the American Heart Association. Circulation 2018;137:e67–492.
Boer, C.G., Radjabzadeh, D., Medina-Gomez, C. et al. Intestinal microbiome composition and its relation to joint pain and inflammation. Nat Commun 10, 4881 (2019). https://doi.org/10.1038/s41467-019-12873-4
Estruch R, Ros E, Salas-Salvado J, et al. Primary prevention of cardiovascular disease with a Mediterranean diet. N Engl J Med 2013;368:1279–90.
Fei N, Bernabé BP, Lie L, et al. The human microbiota is associated with cardiometabolic risk across the epidemiologic transition. PLoS One. 2019;14(7):e0215262. doi:10.1371/journal.pone.0215262
Hieken TJ, Chen J, Hoskin TL, Walther-Antonio M, Johnson S, Ramaker S, et al. The microbiome of aseptically collected human breast tissue in benign and malignant disease. Sci Rep. 2016; 6:30751.
Kostic AD, Gevers D, Pedamallu CS, Michaud M, Duke F, Earl AM, et al. Genomic analysis identifies association of Fusobacterium with colorectal carcinoma. Genome Res. 2012; 22(2):292-8. 16.
L Chung et al. Bacteroides Fragilis Toxin Coordinates a Pro-carcinogenic Inflammatory Cascade via Targeting of Colonic Epithelial Cells. Cell Host Microbe 23 (3), 421. 2018. PMID 29544099.
Minerbi A, Gonzalez E, Brereton NJB, et al. Altered microbiome composition in individuals with fibromyalgia. Pain. 2019;160(11):2589–2602. doi:10.1097/j.pain.0000000000001640
MIRANDA, M. C. G. et al. Abnormalities in the gut mucosa of non-obese diabetic mice precede the onset of type 1 diabetes. Journal of Leukocyte Biology. v. 106, n. 3, p. 513-29. 16 jul. 2019.
Mishra SP, Wang S, Nagpal R, et al. Probiotics and Prebiotics for the Amelioration of Type 1 Diabetes: Present and Future Perspectives. Microorganisms. 2019;7(3):67. Published 2019 Mar 2. doi:10.3390/microorganisms7030067
Scher JU, Sczesnak A, Longman RS, et al. Expansion of intestinal Prevotella copri correlates with enhanced susceptibility to arthritis. Elife. 2013;2:e01202, 2013.
Tang WH, Hazen SL. The gut microbiome and its role in cardiovascular diseases. Circulation 2017; 135:1008–10.
Thomas AM, Manghi P, Asnicar F, Pasolli E, Armanini F, Zolfo M, et al. Metagenomic analysis of colorectal cancer datasets identifies cross-cohort microbial diagnostic signatures and a link with choline degradation. Nature Medicine 2019;25:667–78.